domingo, 28 de novembro de 2010

Ser solidário assim ,,,e aprender sempre !


Estamos sempre a aprender e ontem na minha primeira modesta participação no armazém do Banco de Alimentar aprendi muito. Aprendi que apesar da dureza dos dias, as pessoas ainda não perderam aquilo que as distingue das bestas. Aprendi que de Beja e arredores chegam toneladas de géneros e que estes são escrupulosamente pesados e contados para garantir que nos próximos seis meses, vão chegar a quem precisa. Depois passam por umas dezenas de mãos e são arrumados em dezenas de prateleiras: massas, leite, leguminosas, arroz, açucar, farinha, papas, etc. Depois são distribuidos por uma centena de instituições do distrito e destas chegam a uns milhares de bocas - cada vez mais...cada vez mais... Aprendi que para além do meu olhar sobre o pais de mansos que somos, para além da certeza de que mereciamos todos viver num país em que ninguém passasse pela humilhação de esticar a mão para pedir pão, que para além das minhas convicções ideológicas, há uma realidade incontornável de um estado negligente para com os mais fracos, para com os mais pobres, que nega o direito ao trabalho a milhares de cidadãos, e onde o exercicio de cidadania destes voluntários em Beja , milhares por todo o país, é fundamental. Li nos olhos dos mais experientes, dos mais engajados, a alegria e a preocupação, pois talvez só eles saibam as verdadeiras repercussões que pode ter uma campanha mal sucedida. Aprendi que não me interessa de onde vêm , nem os seus credos ou convicções religiosas, ideologicas. Aprendi que a única coisa que ali me interessa é oferecer o meu tempo, o meu corpo e energia à sua causa. Estou toda lascada. Doem-me os braços, as costas, o Nolotil já não me alivia a dor na anca. Doí-me a alma... mas sei que ontem quando de lá saí ainda lá ficaram, e, agora que escrevo, ainda lá estão, seguramente com também com dores e descarregam e pesam e arrumam e esperam , e desejam que, carregamento a carregamento, se possa cumprir o objectivo de todos : encher aquele armazém para os seis meses que faltam até à próxima campanha.
Obrigada pelo que ontem me ensinaram.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Como se cozinha um povo de mansos ...

Se queremos um povo de mansos, qualifiquemos as massas por decreto, formatando-as para marchar.
Criemos uma Escola sem chama, de professores esgotados pelo sistema e famílias escravas, vivendo para trabalhar.
Queimemos o País lentamente , com discrição.
Coloquemos nas direcções gerais, até mesmo dessas que tratam da leitura, alguém que se controle, um tonto, um amigo, mesmo que seja incompetente e depois, para dar um certo ar de seriedade e de contenção, hipotequemos anos de trabalho e investimento e que se extinga essa direcção.
Acabemos com essa coisa perigosa que são as bibliotecas, reduzindo-as à sua insignificância, suspendendo as aquisições de livros , reduzindo as despesas supérfluas como as revistas e os jornais. Que se coloquem nos lugares chave, os da nossa confiança, os boys do sistema, que se controle todas as fontes de informação, para que todas as opiniões sejam iguais.
Que se meta a vida cultural das cidades, do País, no calabouço e junto a ela o direito ao tempo, a poesia, e quem a diz, ou pinta, ou escreve, quem a pensa e aproveitem para limitar também a capacidade de cada sujeito de expressar afectos, emoções e conceitos.
Que as gentes passem os dias contando patacos e se preocupem exclusivamente com sobrevivência, que sejam o que têm e vivam sempre em competição e que se criem sistemas de avaliação de desempenho encostadas às progressões das carreiras, que se coloquem quotas para acordar a besta adormecida que há em cada sujeito e assim explorar o que de pior tem a natureza humana: o individualismo, a subserviência e a competição desenfreada.
Que se ataque em todas as frentes para que acordem todos os dias de mãos cheias de vento, a almas cheias de nada.
E se tudo isto não chegar que se renegue Abril e todos os seu valores, o estado Social e todos os seus horrores, os direitos sociais de quem trabalha e que este seja o único discurso que se escuta… o nosso eco … e fiquemos serenos, firmes a aguardar, os custos sociais do que aqui se está a cozinhar!

Há principios e valores que sempre irão abrir caminho !


Chove em Santiago e da janela do meu quarto, como num sinal de que o tempo tudo colocará no seu lugar, recortam-se as torres da imensa Catedral. Vim, em representação da organização em que trabalho, participar num simpósio sobre fomento à leitura, organizado pela Associação de Editores Galegos e bem acompanhada pelo “Papaleguas”, conhecem? É um tipo notável este Papaléguas, mais… é um ser humano, notável, naquilo que mais notável o ser humano tem: a generosidade. O seu trabalho consiste em andar ao volante de um bibliomóvel, levando experiências leitoras a aldeias de 20 ou 30 habitantes, a populações isoladas, envelhecidas, proscritas no seu exercício de cidadania, não porque não possam votar, mas porque tem baixas ou nenhumas competências de leitura e nenhuma voz social.

Nestes dois dias, assistimos à apresentação de projectos vindos de muitos lugares. Uns dirigidos a bebés e mães, outros dirigidos a jovens, outros em escolas, outros organizados por grupos de pais. Em comum todos têm a força das pessoas que os desenvolvem, a paixão com que lutam pelos seus leitores, o esforço por manter acesa a chama, mesmo com a danada da crise, os baixos orçamentos e a indiferença dos poderes políticos ou institucionais. A capacidade de resiliência desta gente que investe, pesquisa, se entrega, buscando, a diferentes vozes, cumprir a sua função social, é inspiradora! Como sobrevivem é uma incógnita.

Se os poderes, todos os poderes, fossem inteligente e pensassem genuinamente no desenvolvimento das suas comunidades, na qualificação humana das suas comunidades, no desenvolvimento económico e social das suas comunidades, fariam de cada projecto de leitura a sua bandeira e tratariam estes homens e mulheres e os projectos que protagonizam com o respeito que merecem.(...) Do que um homem é capaz (...) para levar de vencida uma razão de vencer . (...)A eles e a elas o meu abraço solidário

sábado, 6 de novembro de 2010

Lá está ela a meter veneno II !

Dizem que o Guerra Junqueiro tinha mau feitio. Talvez sim. Do que escreveu conheço um ou outro texto disperso e é claro , a Velhice do Pai Eterno, de onde fixei sempre este pedaço ...
O PAPÃO
As crianças têm medo à noite, às horas mortas,
Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.
Não te rias da infância, ó velha humanidade,
Que tu também tens medo ao bárbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do trovão,
Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,
Um papão que não faz a barba há seis mil anos,
E que mora, segundo os bonzos têm escrito,
Lá em cima, detrás da porta do infinito!
Fabuloso!
Mas escreveu mais . Em 1896, Guerra Junqueiro, na sua polémica "Pátria" traça a pincel, a sociedade portuguesa da época. Confesso que me soou a algo estranhamente familiar ...
O POVO ...
" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (...)
A BURGUESIA ... lindo !
" Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. (...)
O PODER LEGISLATIVO ... tenho a sensação que já vi isto em algum lado ?!
(...) Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.(...)
A JUSTIÇA ... também me é familiar ...
(...) A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.(...)
... E POR FIM ... A CEREJA NO CIMO DO BOLO !
(...) Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."(...)
Percebo agora porque que o gajo era polémico e até parece que há coisas que nos estão na massa, no sangue.
Lá está ela a meter veneno!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lá está ela, a meter veneno I !

A reinvenção da língua é uma coisa que me fascina... perceber como as expressões evoluem e assumem dentro de cada um de nós, novas significações.
- Lá estás ela a meter veneno !- dizem pensando que eu vou falar daquela montagem deliciosa de certezas absolutas do "antes de ser governo" e "depois de ser governo", partilhado no 31 da Armada. Talvez ... ora ilustremos...

Governo - grupo de malfeitores que tem o meu país como refém.
Mercados- há os internacionais que são os culpados da crise, os nacionais que se juntam à dança, o Mercado da Ribeira que tem música Africana, ao vivo na sexta feira. Há também os mercados " pode ser que um dia vejam a luz do dia ( como o Mercado Municipal de Beja).
Discussão pública - expressão usada para dar aquele ar de gestão moderna e que visa ouvir paternalmente e decidir autoritariamente.
Pilares de uma estratégia de desenvolvimento - expressão que designa um nº variável de elefantes brancos, entre os dois e os dez , mas sempre em pares para a coisa não cair. A expressão também é usada sempre que se prevê que uma montanha possa vir a parir um rato.

Na língua tudo muda e seguramente daqui a milhares de anos, o conceito Beja Capital - que norteou a campanha do PS - terá outra significação e pelo que vi do balanço de mandato do primeiro ano de governação, temo que ele venha a ser :
Beja Capital - cidade milenar . Gerida a partir de um modelo redutor de desenvolvimento .
- Lá está ela a meter veneno! - dizem. Nada disso!
Estive a ler com atenção o balanço apresentado e pareceu-me um balanço impreciso e pouco rigoroso. Não consegui ainda chegar ao balanço do primeiro ano de mandato da CDU, enquanto oposição, facto pelo qual , peço desculpa.
Para que não haja confusões sobre a minha boa fé, devo desde logo dizer que não tenho dúvidas que os executivos dos últimos 25 anos - 2010 inclusive - trabalharam o melhor que podiam e sabiam, para a cidade, num contexto especifico, apesar de ter e de ter tido , discordâncias várias, com todos.
A CDU trabalhou para a cidade com os meios de que dispunha, com as ortodoxias e convicções que a acompanharam - uma capital construida em cima de um conceito amputado de desenvolvimento o da " luta do trabalho contra o capital". E direi que também não tenho dúvidas que o PS é movido pela mesma energia e que trabalhará o melhor que pode e sabe, com os meios de que dispõe, mas também com as suas ortodoxias e convicções: uma capital construida em cima de um conceito do desenvolvimento económico desligado da identidade, da cultura e da memória.
- Lá está ela a meter veneno!
É que eu, que também quero o melhor para a cidade... procuro e não encontro, quem seja capaz de trabalhar para um modelo de desenvolvimento assente no crescimento das PESSOAS.
O que li, o que ouvi e o que consegui perceber nas entre-linhas, levanta-me algumas preocupações: é que ele este balanço , é um vazio de reflexão sobre as Pessoas e na longa e imprecisa lista de "feitos": em estudo, em projecto, em análise, em apreciação, em discussão publica, em concurso - há muita matéria herdada (sem que a isso se faça qualquer referência) há muito pouco concluido, nada é dito sobre o "COMO", nem sobre o que se teve, tem e terá de se hipotecar se continuarmos neste caminho.