Há famas que ninguém entende e esta da
Maria me chamar de “ bruxa das festas”, tem a sua piada. Suponho que saibam o
que é uma bruxa das festas? Encontrei num dicionário improvável uma curiosa
definição : “ Bruxas das Festas: expressão usada para designar velhas chatas que
entram de rompante em qualquer lugar onde se esteja a louvar qualquer coisa -
por exemplo uma princesa - e quando todos estão à espera de receber o ámen,
entra a bruxa das festas, carrega o sobrolho e ZÁS! Lança uma frase ao vento.
Por vezes prenúncios, por vezes avisos. Contam-se casos até de maldições.
Partem deixando os salões em desalinho e um sentimento de alívio no peito.
Dizem que as bruxas das festas tem boa memória e sabem ler os sinais. As bruxas
das festas andam contra a corrente, mesmo que os caminhos sejam solitários. Raras
vezes são vistas nos salões mesmo quando são convidadas. Conta-se que podem
aparecer de repente e estragar um ambiente dizendo coisas chatas de escutar:
quando a princesa tiver quinze anos picará o dedo no fuso e adormecerá para sempre!
( um exemplo entre muitos outros possíveis)
Escolho Maio para acabar o que comecei a escrever há meses, a propósito de um desabafo dito por um funcionário cansado com o facto de, apesar de toda a tecnologia instalada, a organização ser cada vez menos eficiente. (era um funcionário dos antigos da administração local e por isso andava rabugento como as bruxas das festas!). Desabafava o funcionário resistindo à doidice em que convertera o seu serviço, com tanta mexida simultânea sem planeamento adequado, revoltado com as incongruências, daquelas coisas em cadeia, decididas por cima e a ter repercussão em toda a organização, uma onda :
- Tanto email, para cá, tanto email para lá. Tanta coisa com o “está” na aplicação. Não sei trabalhar com aquilo , porra! Afinal estão dois gajos, sentados um em frente do outro, a ver merdas na aplicação e não conversam porra! Mandam “émails” para “queim” ? !
Suponho que conheçam esta organização e alguns, poucos ou talvez muitos, se reconheçam nesta caricatura.
Mas a verdade meus amigos é que ando farta de trabalhar cada vez com mais ruído e menos
informação e menos conhecimento – apesar dos emails e aplicações – sem perceber
para quê que se faz, sem perceber porque se faz. Ando cansada de esperar por projetos claros que consubstanciem
vagas estratégias e boas intenções e permitam dar sentido a investimentos de
monta que todos pagamos. Estou cansada de ver por aí políticos, a tomarem
decisões técnicas e técnicos a tomar decisões políticas e estou cansada das
pequenas “chicas espertices”, dos acertos de contas, da soberba das máquinas
partidárias, dos amiguismos e ismos. Nunca me consegui habituar ao recorrente “ faz e não bufes".
Hoje,
dia em que se celebra a “ Leitura Furiosa “ decidi escrever sobre o que me anda
a assombrar os dias, as horas e assim dar dimensão pública ao que tenho dito tantas vezes, ao longo de tantos
anos, nos locais certos, sempre em primeiro lugar
internamente, cumprindo o dever de obediência e lealdade que devo a quem
me paga a pão. Faço-o porque lamento que na vida das organizações, apesar de todas as
declarações de abertura, articulação e parcerias continuemos a trabalhar sem
clareza e muitas vezes sem retorno. Lamento que se assista à perda de espaços,
momentos, de coordenação de trabalho, de articulação e planeamento do caminho e
sobretudo de reflexão. Porque me pesam nos ombros os silêncios, as ausências, as irresponsabilidades,
o desnorte das decisões, as incoerências, as inflexibilidades e intenções
adiadas e depois de dois anos de espera ativa : tenho andado a ocupada a dar o
litro – sinto crescer em mim as impaciências dos cinquenta e estou mesmo quase
a ligar o “ foda-se” e deixar andar. ( desculpem o vernáculo)
Escolho Maio para acabar o que comecei a escrever há meses, a propósito de um desabafo dito por um funcionário cansado com o facto de, apesar de toda a tecnologia instalada, a organização ser cada vez menos eficiente. (era um funcionário dos antigos da administração local e por isso andava rabugento como as bruxas das festas!). Desabafava o funcionário resistindo à doidice em que convertera o seu serviço, com tanta mexida simultânea sem planeamento adequado, revoltado com as incongruências, daquelas coisas em cadeia, decididas por cima e a ter repercussão em toda a organização, uma onda :
- Tanto email, para cá, tanto email para lá. Tanta coisa com o “está” na aplicação. Não sei trabalhar com aquilo , porra! Afinal estão dois gajos, sentados um em frente do outro, a ver merdas na aplicação e não conversam porra! Mandam “émails” para “queim” ? !
Suponho que conheçam esta organização e alguns, poucos ou talvez muitos, se reconheçam nesta caricatura.
O poder local e a administração pública em geral funcionam por ciclos
eleitorais de 4 anos, muitas vezes com mudanças de liderança e cor partidária.
Ganham-se umas eleições, expressam-se umas vontades, múltiplas determinações:
acabar com quintas, trabalhar com todos, reparar injustiças. Anunciam-se linhas,
estratégias, marcos, marca. Apostas. e estratégias, projectos centrais. Fala-se
para fora e para dentro. E a malta dá-lhes o benefício da dúvida e esperançada
continua a dar o litro, mais ou menos certa que, ao fim de dois anos, a máquina
começa a estar afinada e as coisas começam a funcionar.
Como sei? Explico: Dois anos é o tempo necessário para uma organização
se adaptar à torrente de mudanças que vão acontecer: mudam-se lideranças e logo
os estilos, e logo os procedimentos, e logo os circuitos de informação, e logo
os círculos de cumplicidades e proximidade com o poder, e logo as parcerias. Aqui
e ali surgem os primeiros sinais, as primeiras faltas de respeito, os primeiros
acertos de contas, as primeiras injustiças. Anunciam-se novos modelos de
gestão, anunciam-se outras formas de trabalhar e a malta a ver que vai dar
merda, a dizer que se pode fazer de outra maneira e a não ser escutada. Vamos
levando o barco calando aquela vontade doida de dizer: Deixem-nos trabalhar
porra! Para quê tanta sede de controle? Percebemos mais desta merda que vocês que acabaram de chegar. Confiem
porra! Ninguém quer minar terreno.
Normalmente começamos a conseguir trabalhar com senso a partir do
meado do mandato, altura em que desligam o MODO: ACABÁMOS DE CHEGAR! Suponho que se reconheçam na caricatura e já tenham vivido algures nas
vossas vidas de funcionários públicos aquele paradoxo que é ver desarticular o
que se entendia funcionar mal mas sem capacidade de pôr a funcionar bem, de
inverter rotas, inflectir caminhos e ficar tudo na mesma, às vezes pior.
Decisões tantas vezes baseadas em insondáveis mistérios. Talvez alguns se
reconheçam no desalento provocado pela sensação de vazio de liderança, de abandono,
de confiança. Pela sensação de injustiça e de respeito por uma vida a dar o
litro. Não desanimem, as caricaturas provocam este efeito.
Importa dizer em defesa das lideranças que nas organizações nem todos dão o litro. Há também quem, independentemente de quem lidera, nunca dê
o litro ( os espertos das organizações ) - e também existem os que minam o terreno.
Importa também recordar que no meu círculo de trabalho tenho tido o privilégio
de ter dado o litro ao lado de muitos
e de não minar terreno a ninguém. Contrariando
as práticas das bruxas das festas mais tradicionais – gostava pedir desculpa
pela imodéstia ao me integrar neste grupo e a vaidade de o dizer publicamente pedindo desculpa por ser uma "colaboracionista" : nome que acabei de inventar para os
funcionários públicos que independentemente da cor de os lidera, fazem o que
lhes compete fazer e continuam a trabalhar.
Preocupa-me que não se meça a real capacidade das organizações, que se
menospreze as reais capacidades dos sujeitos na organização, que não se definam
prioridades, que não se entenda que há equipas esgotadas a trabalhar muito acima
de magro salário que auferem. Que se insista em abordagens e discursos falaciosos
sem querer perceber que só um trabalho cada vez mais articulado e
verdadeiramente participado pode possibilitar maior eficiência e acabar de vez
com as quintas, com as prateleiras - sejam elas douradas ou empoeiradas.
Trabalho na administração local há 27 anos e ainda não me acostumei. Há
muito tempo que deixei de necessitar de ter sempre razão ou ser compreendida pelas
sucessivas administrações. Cada vez mais o que me move, é estar inteira nas escolhas
que faço. Estar inteiro naquilo
que fazemos, naquilo que somos , é sempre uma ESCOLHA. ESCREVER O QUE PENSAMOS
TAMBÉM. Acostumar-me
não está na minha natureza de bruxa das festas.
As bruxas das festas têm estas coisas e nem sempre são fáceis de entender.
Falam línguas secretas, antigas. Línguas que soam a fado e a premonição. Porque
já viveram muito, reconhecem os primeiros sinais de nobreza e desnorte, de
força ou de fraqueza, de tolerância ou inflexibilidade. Porque são bruxas farejam
ao longe, no ar , os sinais de longínquas caçadas.